O Brasil perdeu 1,6% do PIB em 2022, cerca de US$ 30 bilhões, ou R$ 168 bilhões, por causa da enxaqueca.
Segundo a pesquisa “Impacto socioeconômico das principais doenças em oito países da América Latina”, feita pelo instituto de pesquisa alemão WifOR GmbH, entre os oito principais PIBs latinos-americanos, o Brasil é o segundo mais afetado pela doença, atrás da Argentina. O estudo usou dados do Global Burden of Disease Study (GBD), uma pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Segundo a OMS, a dor de cabeça, categoria em que entra a enxaqueca, é a terceira causa anos de vida ajustados à deficiência (DALYs), em inglês disability-adjusted life years, um índice que quantifica o fardo das doenças em uma população combinando anos de vida perdidos por morte prematura e anos vividos com uma deficiência. Infarto e demência ocupam as primeiras posições da lista.
O estudo diz que a enxaqueca tem prevalência maior na América Latina do que em outras regiões e ressalta que, embora a região não tenha dados específicos, outros lugares indicam que a condição seja responsável por até 19,5 dias de trabalho perdidos anualmente.
No caso da enxaqueca, pesquisas sugerem que o presenteísmo, ou seja, o funcionário comparecer ao trabalho sem condições de realizá-lo, causa mais declínio de produtividade do que o absenteísmo, ou seja, a falta.
A enxaqueca pode ser debilitante. Além da dor de cabeça intensa, a doença causa outros sintomas neurológicos. A escritora Michelle Contel, 32, diz que, em sua primeira crise, ficou incapaz de se comunicar por causa de uma confusão na fala, uma condição chamada de disfasia. “Minha mãe achou que era um AVC (acidente vascular cerebral) e me levou correndo para o hospital. Lá, falaram sobre enxaqueca.”
Segundo o médico Flávio Rezende, supervisor da residência em neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), os sintomas associados à dor de cabeça, como náusea, vômitos, sensibilidade a luz e sons, e a frequência das dores são fortes indicativos para o diagnóstico.
É comum em pessoas com enxaqueca a presença da aura, que são episódios de alteração visual e sensorial, como o vivido por Michele. Segundo Rezende, costumam vir antes de uma crise de dor e duram cerca de uma hora.
“Durante uma aura visual, por exemplo, a pessoa com enxaqueca perde parte do campo de visão e enxerga só uma parte dos objetos”, diz. “Ao mesmo tempo, percebe brilhos e padrões geométricos. Alguns pacientes descrevem como raio, cachoeira ou vidro quebrado.”
Michele diz que todas as crises têm aura —ou ela perde a visão panorâmica, ou tem um “flash” de um lado só do campo de visão. Mas a aura não é parte obrigatória para o diagnóstico.
Segundo Rezende, o componente genético e o gênero pesam na enxaqueca. “A chance de uma criança que tem pai e mãe com enxaqueca também ter a doença é maior que 80%”, diz. Além disso, a condição afeta cerca de um terço das mulheres contra um sexto dos homens, de acordo com o médico.
Filha e neta de mulheres enxaquecosas, a fotógrafa Julia Thompson, 33, começou a ter crises ainda na infância, por volta dos 8 anos. Até os 20, ela lidava com as dores tomando analgésicos. Depois, passou para os triptanos, medicamentos específicos para enxaqueca, que contraem os vasos sanguíneos.
Ela diz que questões emocionais são uma causa importante de suas crises —quando era criança, sempre tinha enxaqueca às segundas e quartas, dias em que tinha aulas de inglês.
Mas a enxaqueca pode ter diversos gatilhos, como privação de sono, jejum prolongado, níveis elevados de estresse e exercício físico extenuante podem disparar uma crise. Álcool e determinados alimentos também.
Julia costumava evitar álcool —”o que é uma ressaca para uma pessoa normal, para a gente é uma crise de enxaqueca”. Agora, sob um tratamento contínuo com um alfabloqueador, ela diz sentir menos os efeitos da substância.
O remédio é originalmente indicado para controle de pressão sanguínea e prescrito de forma off label para enxaqueca.
Segundo Rezende, esse é um dos tratamentos possíveis para a doença, que não tem cura. Além dos anti-hipertensivos, podem ser usados remédios para epilepsia, como topiramato, e pode ser feita a aplicação de toxina botulínica nos músculos da cabeça e do pescoço.
Outra possibilidade são as injeções de anticorpos que combatem a enxaqueca, que devem ser aplicadas uma vez ao mês. Michelle tentou o método por cerca de seis meses.
“Foi o único realmente efetivo, mas além do valor (mais de R$ 1.000 por injeção), tão logo parei, as crises voltaram.”
A sensação de impotência e frustração acompanham as mulheres nas crises. “Já perdi trabalhos por causa das crises. Quando começam, é impossível fazer qualquer coisa que não seja deitar em um quarto escuro”, diz Michelle. “Sempre que tenho que parar tudo por causa da crise, me sinto incapaz, deprimida e revoltada.”
“As pessoas não entendem que a crise é debilitante”, diz Julia. “Quando eu trabalhava de garçonete em restaurante, eu tinha que ficar lá com cheiros, barulhos.” Hoje, como fotógrafa, o problema continua, embora de outras formas. “Eu dependo 100% do meu olho por causa do flash que uso nas fotos. Imagina uma pessoa com fotofobia, numa crise de enxaqueca, disparando um flash.”
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*BÁRBARA BLUM/Folhapress