A taxa de juros em alta mudou a lógica de que o financiamento imobiliário é o caminho mais cogitado para a compra da casa própria no Brasil. Com prestações mais caras e custo total crescente, compradores passaram a comparar com mais atenção alternativas como o consórcio imobiliário, especialmente quando é possível esperar para se mudar.
Esse movimento aparece nos números do setor. De acordo com dados da Abac (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios), o mercado de consórcios deve crescer 11% em 2026, com avanço de 25% no segmento de imóveis, refletindo a busca por alternativas ao crédito tradicional.
A taxa básica de juros está em 15% ao ano. Os juros devem cair em 2026, mas continuarão altos por um período prolongado, como afirma o Banco Central.
O financiamento imobiliário segue como a opção predominante para quem precisa do imóvel de forma imediata. Ao contratar o crédito junto a um banco, o comprador tem acesso ao bem logo após a aprovação da operação. Ideal para quem tem prazo para sair do aluguel, precisa mudar de cidade ou formar um novo domicílio porque se casou ou se divorciou, por exemplo.
Segundo Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), a previsibilidade do prazo é o principal diferencial dessa modalidade.
“O financiamento imobiliário está geralmente associado a necessidades com prazo definido. Ele oferece previsibilidade sobre quando o comprador terá acesso ao imóvel.”
A contrapartida está no custo. As parcelas incluem juros compostos e encargos financeiros que ampliam significativamente o valor final do imóvel.
Apesar da pressão da Selic, o financiamento imobiliário continua sendo a linha de crédito com as menores taxas do sistema bancário, sobretudo quando comparado a outras formas de crédito ao consumidor.
Para Cléber Gomes, CEO e sócio-fundador da Maestria, o risco é tomar a decisão olhando apenas para a prestação mensal.
“O financiamento resolve o problema no curto prazo, mas exige atenção ao custo efetivo total e ao comprometimento da renda ao longo dos anos”, diz.
Ao contrário do financiamento, o consórcio não cobra juros. O participante não paga juros, mas sim uma taxa de administração que é diluída nas parcelas. A taxa para consórcio de imóveis gira em torno de 22% a 26% para prazos longos (220 a 240 meses) e praticamente não teve alteração nos últimos 10 anos.
Para Guilherme Carrasco, vice-presidente executivo da Ademicon, a diferença de custo em relação ao financiamento é estrutural.
“Em linhas gerais, todos os resultados mostrarão que o custo do consórcio é uma fração de um financiamento”, afirma.
A compra do imóvel ocorre quando o participante é contemplado, por sorteio ou lance, momento em que recebe a carta de crédito. Em um cenário de juros elevados, o consórcio passou a ser visto não apenas como alternativa, mas como ferramenta de planejamento financeiro.
“Ver o consórcio crescer em ritmo tão acelerado é motivo de grande entusiasmo para quem acredita no poder do planejamento. O consumidor entendeu que é possível conquistar sonhos sem se endividar, com mais controle e menos ansiedade. O consórcio virou protagonista porque respeita o tempo e o bolso das pessoas. É muito mais do que uma modalidade financeira, é uma escolha de futuro e de liberdade”, afirma Luís Toscano, vice-presidente de marketing e vendas da Embracon.
Além da moradia, o consórcio imobiliário também tem sido usado como instrumento de formação patrimonial. Segundo Juciel Oliveira, CEO da Monteo, investidores têm recorrido à modalidade para ampliar o portfólio de imóveis sem comprometer a liquidez.
A estratégia consiste em utilizar rendimentos de aplicações financeiras para custear as parcelas, enquanto o capital principal permanece investido ao longo do período de espera pela contemplação.
Segundo Oliveira, a lógica é semelhante à utilizada por fundos imobiliários que reinvestem seus dividendos. “É uma forma de usar o próprio rendimento para alavancar novos ativos”, diz.
Ao utilizar o ganho mensal das aplicações para o consórcio, diz o especialista, o investidor replica o modelo de expansão do mercado institucional em escala pessoal.
A carta de crédito obtida funciona como um recurso de capital de terceiros, e o imóvel adquirido passa a gerar renda ou valorização.
TEMPO OU CUSTO DEFINEM A ESCOLHA
A decisão entre consórcio e financiamento imobiliário passa, sobretudo, pelo fator tempo. O financiamento garante acesso imediato ao imóvel, mas eleva o custo total da operação. O consórcio reduz esse custo, mas exige espera e disciplina financeira.
“O fator decisivo é a pressa. Quanto maior a urgência, maior tende a ser o custo”, resume Carrasco.
Para quem precisa do imóvel imediatamente, tem renda estável e consegue arcar com uma entrada elevada —hoje próxima de 40% do valor do bem—, o financiamento segue como o caminho mais comum. Já para quem pode planejar a compra e busca minimizar o impacto dos juros, o consórcio ganha espaço.
Em ambos os casos, especialistas recomendam simular cenários, avaliar o comprometimento da renda e tratar a compra da casa própria como uma decisão financeira de longo prazo, especialmente em um ambiente de Selic elevada.
Consórcio x Financiamento
Qual pesa menos no bolso com juros altos
Financiamento imobiliário – Consórcio imobiliário
Acesso ao imóvel – Imediato, após aprovação do crédito – Apenas após contemplação
Urgência atendida – Alta – Baixa
Cobrança de juros – Sim, juros compostos – Não há juros
Outros custos – Encargos bancários e tarifas – Taxa de administração
Custo total – Mais elevado, especialmente com Selic alta – Mais previsível e, em geral, menor
Entrada inicial – Alta (em média, cerca de 40%) – Não exige entrada
Prazo médio – Até 35 anos – De 18 anos e quatro meses a 20 anos, em geral
Perfil do comprador – Quem precisa do imóvel imediatamente – Quem pode planejar a compra
Principal vantagem – Rapidez na aquisição – Economia no longo prazo
Principal risco – Endividamento prolongado – Tempo de espera pela contemplação
*ANA PAULA BRANCO/Folhapress