São Paulo — Após ser submetida a três transplantes de coração e um de rim, a jovem Vitória Chaves da Silva, de 26 anos, morreu devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica em 28 de fevereiro, no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Nove dias antes, duas estudantes de medicina expuseram o caso dela em um vídeo publicado no TikTok, retirado do ar nessa terça-feira (8/4).
O Metrópoles havia publicado, em 2023, o ineditismo de Vitória ter sido submetida a três transplantes de coração. Até então, os procedimentos do tipo no Brasil eram limitados a dois. Ela foi submetida ao terceiro transplante de coração no ano passado e, antes disso, em 2023, teve um rim transplantado após o órgão ficar comprometido durante o tratamento cardíaco.

5 imagens



No vídeo, apesar de não falarem o nome da paciente, as alunas Gabrielli Farias de Souza (no vídeo, de cabelos loiros) e Thaís Caldeiras Soares Foffano (no vídeo, à dir., de cabelos escuros) mencionam os três transplantes cardíacos, além de indicar quando foram feitos — na infância, adolescência e início da maioridade, o que coincide com o caso de Vitória.
A exposição revoltou a irmã da paciente, Giovana Chaves dos Santos, e a mãe delas, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves. Ambas decidiram registrar um boletim de ocorrência e acionaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP), além do Incor.Play Video
“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na Promotoria da gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou numa consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, disse Cláudia ao Metrópoles.
A família da paciente quer que as alunas se retratem publicamente, da mesma forma que expuseram e debocharam da paciente. Nem as estudantes nem as defesas foram localizadas pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Vitória
Quando a dona de casa Cláudia Chaves estava grávida de sete meses, foi fazer o ultrassom da filha e ouviu da médica que a atendeu, sem rodeios, o que ela interpretou como a sentença de morte da criança. O ainda feto foi diagnosticado com anomalia de Ebstein, que é um defeito cardíaco raro e incurável, caracterizado pela má formação das válvulas do coração.
“A médica falou que, depois do nascimento, ela não passaria de 15 dias viva. Mas Deus é maior, passaram-se os 15 dias, ela ficou em uma incubadora e sobreviveu”, afirmou Cláudia, atualmente com 40 anos.

6 imagens




De forma simbólica, a dona de casa decidiu batizar a filha com o nome de Vitória. Ela nasceu em 31 de agosto de 1998 em Luziânia (GO), cidade do Entorno de Brasília.
Contrariando os prognósticos médicos, e fazendo jus ao nome, Vitória Chaves da Silva cresceu e, aos 2 anos, precisou fazer uma cirurgia de reparação de uma válvula cardíaca. O procedimento foi realizado em Goiânia (GO), mas não surtiu efeito. Por isso, ela precisou ir para São Paulo em 2004, quando tinha 6 anos.
No Incor, na capital paulista, a equipe médica constatou que a menina precisaria de um transplante. Ela ficou quatro meses na fila e, em 5 de março de 2005, foi submetida à primeira substituição do coração.
Mais dois transplantes
Após o primeiro transplante, Vitória voltou com a mãe para Luziânia, onde levou uma vida normal por 11 anos. Nesse período, a jovem fazia uma maratona de retornos mensais entre um hospital de Goiânia e o Incor de São Paulo, uma rotina de manutenção comum a pacientes que se submeteram a transplantes.
No entanto, após 11 anos, a jovem começou a passar mal, a sentir muito cansaço e a ter desmaios. Em 2026, foi internada novamente, também com problema em um dos rins. Foi submetida a uma nova hemodiálise, e na época os médicos afirmaram que ela precisaria de um segundo transplante de coração.

Receba no seu email as notícias da editoria Metrópoles SP
Frequência de envio: DiárioAssinar
Leia também
- Com falta de nomes, PT cogita apoiar Márcio França ao governo de SP
- Ex-discípulo “copia” Valdemiro e aplica calotes com nova igreja em SP
- Mãe de jovem transplantada fez BO após deboche de alunas de medicina
- Prefeito e vice de Barueri são cassados pela Justiça Eleitoral
Vitória aguardou por três meses, até que surgiu um doador compatível. O procedimento, mais delicado, foi realizado ainda em 2016.
Após o segundo transplante, o organismo da jovem teve 10 episódios de rejeição, que fizeram com que ela fosse levada para o hospital em todas as ocasiões. Já em São Paulo, exames constataram que o coração dela estava com duas veias coronárias fechadas completamente. Ela precisaria de um terceiro transplante, procedimento que foi realizado em 2023.
Exposição
A postagem das estudantes de medicina, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas.
“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas. Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirmou Thaís Foffano.
Durante a conversa em vídeo, as duas estudantes atribuem a sequência de procedimentos à suposição de que Vitória não teria se cuidado e tomado corretamente os medicamentos após os procedimentos, informação refutada pelas familiares da paciente.

5 imagens



Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes.”
Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.”
Na sequência, Thaís Caldeiras comenta:
“Essa menina tá achando que tem sete vidas.”
As duas estudantes se olham e Thaís continua: “Estou em choque. Simplesmente uma pessoa que já passou três vezes por transplante, recebeu três corações diferentes, pra quem não é da medicina, resumindo, é isso […] e tá com problema ainda. Espero que fique tudo bem com ela, que agora ela realmente tome as medicações e faça o tratamento correto”.
Em nota encaminhada à reportagem, na tarde desta terça, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.
Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.
“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.
Sonho de cursar medicina
Quando aguardava pelo terceiro transplante cardíaco, Vitória afirmou que sonhava em ser médica para ajudar as pessoas, da mesma forma que era amparada. Ela chegou a prestar Enem para o curso em 2019, mas não conseguiu a pontuação necessária.
Na ocasião, mesmo sob o efeito de medicações, em um gesto de esforço e gentileza, Vitória ainda enviou um áudio ao Metrópoles no qual afirmou que esperava poder voltar ao convívio familiar e a fazer coisas simples, como tomar banho sozinha e comer refeições caseiras.
“Quero muito ir embora para poder usufruir da minha família. Tenho esperança. Vou ficar bem e ter uma boa recuperação. Peço orações”, disse, na ocasião.