Foi a primeira vez que Bolsonaro e Moraes ficaram frente a frente num tribunal diante das câmeras
10 junho 2025
Atualizado Há 15 minutos
Jair Bolsonaro ficou pela primeira vez frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10/6). Réu, o ex-presidente foi interrogado por Moraes e negou ter planejado um suposto golpe para impedir a posse de Luiz Inácio da Silva após as eleições de 2022.
Além de Bolsonaro, outros 7 aliados do ex-presidente também foram interrogados num processo considerado histórico, já que é a primeira vez que um ex-mandatário e militares de alta patente, como generais e um almirante da reserva, respondem criminalmente por tentativa de ruptura democrática no Brasil.
Diante das câmeras da TV Justiça, com reprodução da BBC News Brasil e boa parte da imprensa, Bolsonaro adotou um tom mais ameno com a Corte e com Moraes do que em seus comícios públicos – chegou a pedir desculpas ao ministro do STF, com quem antagonizou nos últimos anos.
O ex-presidente voltou a negar qualquer intenção de ruptura democrática em seu governo, mas admitiu que chegou a discutir “possibilidades” de reverter o resultado eleitoral. Segundo ele, no entanto, as alternativas teriam sido descartadas por não atenderem a Constituição.
A tentativa de golpe articulada pelo núcleo interrogado, segundo a acusação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, teria começado com a campanha contra o sistema eletrônico de votação durante o governo Bolsonaro (2019-2022), seguido com a pressão sobre as Forças Armadas para aderir ao plano e culminado nos ataques à sede dos Três Poderes em Brasília em 8 janeiro de 2023.
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Todos os réus negaram as acusações.
Bolsonaro foi enfático ao se desvincular dos ataques do 8 de janeiro. Após a derrota eleitoral, o ex-presidente permaneceu recluso e não fez gestos ou chamados para desmobilizar seus seguidores que contestavam o resultado das urnas e acampavam diantes de quartéis e estradas.
Nesta terça-feira (10/6), ele chamou de “pobres coitados” e “malucos” os bolsonaristas radicais que depredaram prédios públicos em Brasília.
Confira abaixo em 4 pontos o depoimento de Jair Bolsonaro e outros pontos-chave dos dois dias de depoimentos no STF. A ação entra em suas etapas finais, mas ainda não há data para o julgamento.
Bolsonaro ameno e ‘carta fora do baralho’
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“Só tenho uma coisa a afirmar a vossa excelência: de minha parte, por parte de comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável”, disse Jair Bolsonaro a Alexandre de Moraes.
“O golpe até seria fácil começar, o after day é que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar essa experiência dessas e não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe no meu governo”, disse o ex-mandatário.
As frases foram o esqueleto do depoimento do ex-presidente, prestado em tom ameno e cordial e pontuada até com piadas diretas com o interlocutor Moraes. Em diversos momentos, Bolsonaro atribuiu declarações “à sua retórica” ou ao seu temperamento.
As condenações veementes de golpes contrasta com a exaltação do golpe militar de 1964 e do regime que durou até 1985 que Bolsonaro fez na carreira política como parlamentar e na Presidência.
Em outro momento, Moraes questionou Bolsonaro se ele teria participado da eleaboração de minuta para decretar um Estado de Sítio ou de Defesa após sua derrota eleitoral.
Essa minuta é peça central na acusação contra o ex-presidente – esse documento, segundo os investigadores, previa até a prisão de autoridades, como Moraes, para impedir a posse do presidente Lula.
Bolsonaro admitiu ter discutido “alternativas”, mas disse ter logo ter descartado.
Durante o mandato, Bolsonaro também chegou a defender que o artigo 42 da Constituição daria aos militares um poder de intervenção, o que já foi rejeitado pelo STF.
“Eu joguei dentro das quatro linhas [da Constituição] o tempo todo. Muitas vezes eu me revoltava, falava palavrão. Mas, no meu entender, fiz o que devia ser feito”, disse.
Bolsonaro também disse que nunca fez “ataques” ao sistema eleitoral, mas sim “críticas”. “A desconfiança [em relação às urnas] não começou comigo, começou com Brizola lá nos anos 90, depois passou pro Flávio Dino [aliado de Lula, desde 2024 ministro do STF]”, afirmou.
Em seguida, Bolsonaro classificou a si mesmo como “carta fora do baralho” eleitoral ao cobrar providências em relação ao sistema.
“Acredito que nós… os senhores, né, no caso? Eu sou carta fora do baralho… tem que tomar uma providência pra restabelecer a confiança da população no sistema eleitoral nosso”.
Condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Bolsonaro está impedido de concorrer a cargos eleitorais, mas ele costuma dizer que será candidato a presidência em 2026.
Na avaliação de Rafael Mafei, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o depoimento de Jair Bolsonaro “pode até prejudicá-lo” se seus apoiadores mais duros esperavam um enfrentamento dele com o Alexandre de Moraes.
“[Bolsonaro] Está tratando o Alexandre de Moraes com deferência, pedindo licença para tudo, fazendo piadinhas banais até. Não parece alguém que está coagido ou sendo submetido a uma injustiça”, prosseguiu.
Pedidos de desculpas a Moraes (e não só de Bolsonaro)
No começo do interrogatório, Bolsonaro pediu desculpas ao ministro do STF por ter insinuado que ele e outros ministros da Corte teriam recebido milhões de dólares de forma ilegal durante o processo eleitoral de 2022. E chamou a fala de “desabafo”.
O pedido de desculpas aconteceu após Moraes questioná-lo sobre o tema.
“Quais eram os indícios que o senhor tinha de que nós estaríamos levando US$ 50 milhões, US$ 30 milhões?”, questionou o magistrado.
“Não tenho indício nenhum, senhor ministro”, respondeu. “Então, me desculpe. Não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”, seguiu.
As insinuações de Bolsonaro sobre o suposto recebimento ilegal de dólares pelos ministros aconteceu durante uma reunião ministerial em 5 de julho de 2022, quando Bolsonaro e outros ministros discutiram o cenário eleitoral daquele ano.
Bolsonaro não foi o único a pedir desculpas por ataques feitos ao Supremo Tribunal Federal e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, pediu desculpas por ter declarado “guerra ao STF”. Já o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, pediu desculpas por ter criticado o sistema eletrônico de votação, dizendo não ter provas de fraudes.
Para Rafel Mafei, da USP, a conduta de Bolsonaro é relevante porque reconhece a instância judicial e “vai contra do comportamento que ele sempre estimulou em relação ao STF”.
“Os generais argentinos, em 1985, disseram não reconhecer a legitimidade do julgamento e ficaram em silêncio. Bolsonaro age como quem deve satisfação ao Supremo e ao Alexandre de Moraes — que ele deve, é verdade, mas ao mesmo tempo vai contra do comportamento que ele sempre estimulou em relação ao STF”, afirmou Mafei à BBC News Brasil.